Quando trabalho e diversão coexistem
Pensamentos sobre a Bienal do Livro
Eu sou muito fã de eventos literários. Acho uma delícia o clima de pessoas de todas as idades entusiasmadas com a literatura reunidas em um mesmo lugar para celebrar obras e artistas. Ver esse envolvimento das pessoas me dá, inclusive, mais gás para seguir escrevendo.
No final do mês passado, aconteceu aqui em Salvador mais uma edição da Bienal do Livro da Bahia. Depois de tantos anos sem o evento, ter duas edições consecutivas é uma verdadeira alegria, um sinal de que a Bienal está se consolidando mais uma vez no calendário da cidade.
Para mim, é uma oportunidade legal para reencontrar amigos da cidade e de fora, conhecer pessoalmente quem eu só tinha contato virtual e tietar autores que admiro — sou daquelas que gosta de assistir às mesas e pegar autógrafo sempre que possível. Além disso, é uma oportunidade de fazer meu livro circular e chegar a novas mãos.
Resumindo: eventos como a Bienal alimentam meus lados leitora e escritora. É trabalho e diversão. Mas será que deveria ser assim?
Esse questionamento surgiu na minha mente depois de uma conversa com uma colega escritora. Durante o papo, ela me disse que sentia falta da época que a Bienal era para diversão. Segundo ela, desde que começou a carreira literária, eventos como esse funcionam apenas como trabalho.
Essa afirmação me fez questionar por que as duas coisas não podem coexistir.
Eu não dependo da literatura para a minha subsistência. Ela funciona, na minha vida, como uma segunda carreira, que eu me dedico e levo a sério, mas da qual não dependo para colocar comida na minha mesa ou pagar meus boletos. Embora esteja confortável com essa situação, de vez em quando me questiono se eu poderia ir mais longe na carreira se eu tivesse mais tempo de me dedicar. Esse é o tipo de pergunta que eu sei que não tem resposta certa, pois depende de muitos fatores — inclusive aqueles que estão fora do meu controle. É um grande “E se…” que só traz angústia e nenhuma solução.
Digo tudo isso para que vocês entendam de que lugar eu tô falando. É claro que para quem vive exclusivamente da carreira literária, as considerações são outras e o que eu falar aqui talvez nem faça sentido. Mas, diante dessa minha conjuntura de vida, o comentário de minha amiga, apesar de ter me feito questionar algumas coisas, logo ficou claro que não se encaixa totalmente no meu contexto.
Por não depender financeiramente do meu trabalho como escritora, sei que posso “me dar ao luxo” de relaxar mais. Literatura, para mim, é trabalho, mas também diversão. Não vejo por que devo deixar para lá o meu lado leitora e fã só porque eu também estou “do outro lado”. Não existem regras quando se trata de arte, e sinto que se eu abandonar essa paixão, escrever vai perder o sentido.
Já que eu não dependo da minha produção artística para pagar contas, se não for divertido, por que investir em algo que toma tempo, dá trabalho e pouco dinheiro?
O entusiasmo ocupa uma parte significativa do meu processo criativo. Então, alimentar o meu lado leitora só faz o meu “eu escritora” ainda mais feliz para seguir nesse caminho tortuoso e delicioso da escrita criativa.
Talvez, pensando assim, perca oportunidades de fazer minhas histórias chegarem mais longe, já que estou “perdendo o tempo” em que podia estar “fazendo negócios”. Mas é quem eu sou, e não vejo nenhuma vantagem de abrir mão disso.
Essa edição está participando do Newsletteraço, evento de divulgação de newsletters, para fazer com que mais pessoas conheçam quem anda escrevendo por aí. Abaixo, deixarei todo mundo que está participando para que vocês possam navegar e conhecer essas publicações.
- - Caderneta




clima de bienal é sempre muito legal. o poder da literatura é incrível.
Eu acho essa questão do entusiasmo tão real. Eu faço isso porque eu amo. Sim, eu quero resultados, mas se a mente marketeira linkedin me proibir de amar para obter resultados, então nada disso faz sentido. Acho que o pessoal confunde muito "trabalho" com "modelo de produção capitalista". Penso naqueles tweets "qual o seu trabalho dos sonhos?"//"eu não sonho com trabalho": eu sei de onde essas pessoas estão vindo, mas eu discordo. Tocar uma ONG que resgata cães e gatos é um trabalho. Fazer um serumaninho e criar esse serumaninho com saúde e amor e condições de chegar na vida adulta impactando o mundo de forma positiva é um trabalho. Porque se fosse hobby podia simplesmente largar pela metade, né? Fazer uma ideia chegar até o formato final e então nas mãos dos leitores é um trabalho - na falta de um, uns três trabalhos até. Claro que você PODE largar um romance incompleto, mas a questão é que quem levou até o fim precisou tratar como trabalho. Eu não sonho com bater ponto, quantidade limitada de férias e licença médica, salário de fome. Mas eu tenho trabalhos dos sonhos sim, e ser uma pessoa que tem a oportunidade de escrever nem que seja só um tiquinho profissionalmente é um privilégio enorme. Então eu acredito sim em ficar empolgada e entusiasmada e pulando e dando gritinhos, curtindo existir nesse meio.