Essa é uma edição especial que faz parte do amigo secreto organizado no grupo Newsletter BR, do qual faço parte. A ideia é que o presente do amigo secreto seja uma edição da newsletter dedicada à pessoa que tiramos, em forma de carta. Ao final, revelarei quem tirei e deixarei também o link da cartinha que eu recebi.

Querido amigo,
Meu ano de 2024 foi boa parte ocupado pela pós em Literatura, Artes e Filosofia que estou cursando. Entre os diversos temas que passaram pelas disciplinas, não há como fugir dos clássicos gregos, e, entre eles, evoco aqui Aristóteles, que tem uma frase (bem conhecida) que tem tudo a ver com o que quero falar aqui: o ser humano é um animal social. Parece uma afirmação meio óbvia, mas às vezes tenho a impressão de que esquecemos disso.
Para ele, só somos felizes vivendo em sociedade. Minha parte escritora entende isso perfeitamente: não consigo pensar em uma maneira de ser criativa sem a provocação causada pelo contato com o mundo e toda a sua diversidade. Por outro lado, a humanidade muitas vezes me cansa, e me cansa justamente porque tenho a impressão de que as pessoas desaprenderam a conviver. Aquela coisa básica de respeitar o espaço alheio e olhar para o lado e perceber que o mundo não gira em torno de si.
E nesse balaio de convivência, me interessa especialmente a família, aquele primeiro núcleo social que, para o bem e para o mal, nos atinge e nos forma. Assim como você falou em seu texto, cresci em uma família “funcional”, bem naquele padrão básico de formação — mãe, pai e irmãos. Porém, lá em casa, ao contrário da sua, nunca teve essa coisa de receber muita gente; era tudo mais reservado. Sempre fui uma pessoa de poucos amigos, o que permanece até hoje, na vida adulta. Mas, aqui e ali, fui encontrando novas conexões. Novas famílias.
Escolhi para ilustrar esse texto uma imagem de um mural do artista visual Kobra em que ele retrata diversos refugiados — na foto está o venezuelano Andres Samuel Peralta Guedez. Disse o artista: “É preciso abrir as janelas, mas também as portas, os olhos e os corações para acolher essas pessoas que abdicaram de suas pátrias e precisaram, por diversas razões, se deslocar. Que sejam felizes e consigam reconstruir suas vidas em solo brasileiro”. Não consigo imaginar desafio maior do que deixar para trás tudo o que lhe é familiar. Como reconstruir um senso de comunidade?
Enquanto pensava sobre esse texto, também me lembrei de um livro bem interessante que li esse ano, “Criaturas extraordinariamente brilhantes”, de Shelby Van Pelt (tradução de Giovanna Chinelatto), cujo tema central é a solidão sob a perspectiva de três personagens: uma senhora viúva, um jovem sem rumo e… um polvo preso em um aquário. O mais interessante da narrativa, para mim, é justamente ver as novas relações que vão se formando mesmo depois que os laços “originais” são rompidos, seja pela morte ou por outras circunstâncias da vida. É muito legal acompanhar como esses três personagens vão criando novos laços e encontrando novas famílias, não como forma de substituir o que ficou para trás, mas no entendimento de que a vida é movimento e sempre é possível reinventá-la. Melhor ainda fazer isso com boas pessoas ao redor, uma comunidade para chamar de sua.
A escrita — ofício que compartilhamos — é uma dessas novas comunidades que chegaram a mim. Só entendi verdadeiramente o que significava ser escritora quando conheci pessoas que também escreviam. Das coisas práticas aos sentimentos mais profundos do que significa dedicar-se a contar histórias, eu não saberia metade se não fosse a troca de experiências.
De cara, escrever pode parecer uma atividade solitária — e, em alguma medida, até é. Mas uma das mais valiosas lições que aprendi foi que o momento em que sento na frente do computador para colocar uma palavra depois da outra é apenas uma parte do que significa ser escritora. E em todas as outras eu não preciso estar sozinha.
Parafraseando a música de onde tirei o verso que dá título ao texto, que possamos adentrar à avenida e desfilar a vida em comunidade. Tradicional ou das mais diversas conformações, que não falte comunhão onde quer e com quem estejamos.
Sigamos juntos!
Um abraço,
Carol
Meu amigo secreto é o querido
, que tem a newsletter Antes do fim. Conheçam a news e conheçam também os textos de ficção dele!Aproveito para deixar aqui também o link para a carta lindíssima que recebi de Patrícia: #9 Casa.
Ah, que fofa essa ideia de amigo secreto, Carol *-*
Podiamos fazer algo parecido no grupinho de Mel, ia ser tão legal.